Eventos e Subeventos em Caboverdiano

Identificação

  • Identificação do projeto: Eventos e Subeventos em Caboverdiano [ PTDC/CLE-LIN/103334/2008 ]   
  • Grupo: LiFE – Linguística Formal e Experimental
  • Responsável: Fernanda Pratas
  • Duração: mar. 2010 – fev. 2013
  • Entidade financiadora: FCT/MCTES

Descrição

Este projeto teve dois objetivos principais.
A) Um enriquecimento do debate interlinguístico, pelas revelações empíricas de uma língua ainda pouco estudada numa perspetiva formal. Propriedades específicas conferem ao caboverdiano um reconhecido interesse científico para os atuais estudos sobre a interpretação temporal das frases. Essas propriedades vêm sem dúvida reforçar a posição, ainda sujeita a intenso debate, de que a tradicional linha de divisão entre estados e eventos, por exemplo, não tem uma correspondência universal. Neste campo, também, novas questões têm sido levantadas: qual é a fonte desta variação interlinguística? Poderá ela ser reduzida ao léxico? Será apenas morfológica? Ou deverá também estender-se à estrutura semântica? Como podemos ler em Hale 1996: “[…] queremos saber como é possível que haja uma gramática universal em paralelo com a quase inimaginável diversidade de línguas no mundo.”
B) Um contributo significativo para a elaboração futura de gramáticas e instrumentos de trabalho destinados ao estudo e ensino do caboverdiano (língua ainda não oficial no seu país, Cabo Verde, em parte por acusações diversas precisamente quanto à ausência destes materiais científicos).

As diferentes estratégias das línguas para marcação de tempo têm sido alvo de abordagens linguísticas distintas (síntese em Binnick 1991). Na tradição generativista, que inicialmente se centrou nos estudos sintáticos (Chomsky 1957, 1965), a análise das relações temporais viria a ser por algum tempo uma área reservada à semântica formal (Bennett & Partee 1972, Bach 1981, e.o.). Nas últimas décadas, porém, numerosos trabalhos refletem a proposta de que a estruturação temporal e aspectual das frases se situa na interface da sintaxe com a semântica (Giorgi & Pianesi 1997, Ramchand 1997, Demirdache & Uribe-Extebarria 2000, e.o.). As abordagens mais produtivas entre os recentes estudos sobre a sintaxe e a semântica da temporalidade têm em consideração as relações entre o aspeto lexical dos predicados (Aktionsart) e outros possíveis marcadores disponíveis em cada língua (morfemas funcionais, expressões adverbiais, modais, etc.). Assim, a leitura temporal é analisada como estando também dependente, entre outros fatores, da estrutura interna dos eventos. Para este tipo de abordagem têm sido seguidas diversas propostas, como por exemplo a de Dowty 1979, segundo a qual as predicações, associadas aos tipos de situações descritas em Vendler 1967, podem ser decompostas nos predicados básicos Cause, Do e Become, bem como nas possíveis combinações destes. Em caboverdiano, língua crioula de base lexical portuguesa, um dos poucos fenómenos explorados nesta área pode ser sintetizado como se segue: a interpretação temporal parece ser condicionada pelo traço lexical de estatividade (Silva 1985, Baptista 2002, Pratas 2004, 2007). A partir de algumas formas verbais nuas (não flexionadas) em frases simples podemos de facto assumir que existe um contraste entre alguns verbos estativos, como sabe ( N sabe risposta. ‘Eu sei a resposta.’), por um lado, e todos os verbos dinâmicos, por outro lado ( N kume pexe. ‘Eu comi peixe’). A forma nua de sabe é interpretada como presente, a de kume como passado. No entanto, quando testamos os valores temporais no seio de contextos mais alargados, obtemos interpretações inesperadas.

Estas fragilidades nas análises linguísticas disponíveis para o caboverdiano constituem um forte incentivo para os objetivos científicos deste projeto – descrição exaustiva e análise rigorosa das seguintes interações sintático-semânticas:
(i) estados consequentes e a sua associação a construções perfectivas; distinção entre predicados de indivíduo e predicados de estádio, por um lado, e entre “estados faseáveis” e “estados não faseáveis” (Cunha 2004), por outro;
(ii) as imposições de certos predicados em orações matriz, como verbos percetivos ou verbos de controlo, no que respeita à interpretação temporal das orações não finitas encaixadas;
(iii) os contextos particulares em que uma leitura reflexiva é obtida sem uma expressão anafórica, e o possível envolvimento do subevento Become;
(iv) a distribuição dos advérbios e a sua contribuição para a temporalidade das frases;
(v) as restrições de coocorrência e diferentes leituras de verbos modais (epistémica, necessidade/capacidade) e possíveis correlações com a sua posição na estrutura funcional da frase, relativamente aos marcadores de tempo e de aspeto.

Capitalizando sobre os trabalhos anteriores dos membros da equipa, o cumprimento destes objetivos envolve:
(i) um intenso trabalho de recolha de dados junto de informantes caboverdianos, em Cabo Verde e em Lisboa, acompanhado da respetiva transcrição rigorosa e sistemática;
(ii) análise e organização dos dados;
(iii) formulação de propostas teóricas concretas que permitam dar conta dos aspetos sintáticos e semânticos dos resultados.

Resultado final: primeira base de dados digital sobre verbos em caboverdiano, disponibilizada para a comunidade científica, falantes de caboverdiano, professores e equipas responsáveis por políticas de língua.

Equipa

Fernanda Pratas (investigadora responsável)
Ana Josefa Cardoso
João Costa
Luís Filipe Cunha
Alexandra Fiéis
Maria Lobo
Ana Madeira
Helderyse Rendall

Publicações

Artigos 

Costa, João e Pratas, Fernanda (2013). Embedded null subjects in Capeverdean. Journal of Linguistics, [online] 49(1), pp.33-53. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-linguistics/article/embedded-null-subjects-in-capeverdean1/8C7693359DAE9941626D8C4323029C6A [Acesso 27 set. 2017]. e-ISSN 1469-7742; ISSN 0022-2267.
DOI 10.1017/S0022226712000217

Pratas, Fernanda (2011). Eventos e subeventos em Caboverdiano. Estudos Linguísticos / Linguistic Studies, (6/7), pp.13-22. ISSN 1647-0346.

Capítulos de livros/atas

Costa, João e Pratas, Fernanda (2008). Licenciar pro não significa ser uma língua pro-drop: evidência do Caboverdiano. In: S. Frota e A. L. Santos, orgs., Textos Selecionados do XXIII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, pp.157-166.

Pratas, Fernanda (2011). “Acreditar” não é “saber”: mais sobre estativos em Caboverdiano. In: A. Costa, P. Barbosa e I. Falé, orgs., Textos Selecionados do XXVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. [CD-ROM] Lisboa: APL, pp.521-533. ISBN 978-989-97440-0-4.

Pratas, Fernanda (2010). Eventos e subeventos em Caboverdiano. In: A. M. Brito, F. Silva, J. Veloso e A. Fiéis, orgs., Textos Selecionados do XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. [PDF] Porto: APL, pp.661-679. Disponível em: https://apl.pt/wp-content/uploads/2017/09/44-Fernanda-Pratas.pdf [Acesso 13 out. 2017]. ISBN 978-989-96535-1-1.

Pratas, Fernanda (2010). States and temporal interpretation in Capeverdean. In: R. Bok-Bennema, B. Kampers-Manhe e B. Hollebrandse, eds., Romance Languages and Linguistic Theory 2008. Selected Papers from “Going Romance” Groningen 2008. Amsterdam: John Benjamins, pp.215-231. ISBN 978-90-272-03823.

Pratas, Fernanda (2009). Aquisição da estrutura funcional em Caboverdiano. In: A. Fiéis e M. A. Coutinho, orgs., Textos Selecionados do XXIV Encontro da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, pp.367-381.

Pratas, Fernanda e Hyams, Nina (2010). Introduction to the acquisition of finiteness in Capeverdean. In: J. Costa, A. Castro, M. Lobo e F. Pratas, eds., Language Acquisition and Development. Proceedings of GALA 2009. Newcastle upon Tyne, Cambridge Scholars Publishing, pp.378-390. ISBN 978-1-4438-2394-4.